Reflexões em tempos de Cachoeiras e quejandos
Livro
muito interessante para se ler e refletir neste momento é A Arte de Furtar. Monumento da prosa barroca, A Arte de Furtar, hoje dominantemente atribuída ao jesuíta Padre
Manuel da Costa (1601-1667), é uma das obras literárias emblemáticas do período
da Restauração e o ponto mais alto da literatura portuguesa de costumes dos
séculos XVI a XVIII. No entanto, a sua primeira edição indica seguidamente ter
sido «Composta pelo/ Padre António Vieira,/ Zeloso da Patria».
A
corrupção, aliada à impunidade, de quem é filha, já indignava o autor de A Arte de Furtar, escrito entre os séculos 17 e 18:
"Se vossa casa, ontem, era de esgrimidor, como
a vemos hoje à guisa de príncipe? E até vossa mulher brilha diamantes, rubis e
pérolas, sobre estrados broslados? Que cadeiras são essas que vos vemos de
brocado, contadores da China, catres de tartaruga, lâminas de Roma, quadros de
Turpino, brincos de Veneza etc.?”
"Eu não sou bruxo nem adivinho; mas me atrevo,
sem lançar peneira, a afirmar que vossas unhas vos granjearam todos esses
regalos para vosso corpo, sem vos lembrarem as tiçoadas com que se hão de
recambiar no outro mundo. Porque é certo que vós os não lavrastes, nem os
roçastes, nem vos nasceram em casa como pepinos na horta".
"Furtam pelo modo infinito, porque não tem fim
o furtar com o fim do governo e sempre lá deixam raízes, em que vão continuando
os furtos. Finalmente, nos mesmos tempos não lhes escapam os imperfeitos,
perfeitos, mais-que-perfeitos e quaisquer outros, porque furtam, furtaram,
furtavam, furtariam e haveriam de furtar mais, se mais houvesse".
Sobre a
Política, em A Arte de Furtar encontramos:
«Todos falam na política, muitos compõem
livros dela, e no cabo nenhum a viu, nem sabe de que cor é. E atrevo-me a
afirmar isto assim, porque, com eu ter pouco conhecimento dela, sei que é uma
má peça, e que a estimam e aplaudem, como se fora boa; o que não fariam bons
entendimentos, se a conheceram de pais e avós, tais, que quem lhos souber, mal
poderá ter por bom o fruto que nasceu de tão más plantas. E para que não nos
detenhamos em coisa trilhada, é de saber que no tempo em que Herodes matou os
inocentes, deu um catarro tão grande no Diabo, que o fez vomitar peçonha; e
desta se gerou um monstro, assim como nascem ratos ex materia
putridi, ao qual chamaram os críticos
Razão de Estado. E esta senhora saiu tão presumida, que tratou de casar, e seu
pai a desposou com um mancebo robusto e de más manhas, que havia por nome Amor
Próprio, filho bastardo da primeira desobediência. De ambos nasceu uma filha a
que chamaram Dona Política. Dotaram-na de sagacidade hereditária e modéstia
postiça. Criou-se nas cortes de grandes príncipes, embrulhou-os a todos. Teve
por aios o Maquiavelo, Pelágio, Calvino, Lutero e outros doutores desta
qualidade, com cuja doutrina se fez tão viciosa, que dela nasceram todas as
seitas e heresias que hoje abrasam o mundo. E eis aqui quem é a senhora Dona
Política».
Em A Desordenada Cobiça dos Bens Alheios - Antiguidade e Nobreza dos Ladrões (1619), Carlos García diz que a arte da ladroagem é
superior à alquimia, pois do nada faz tudo: "Haverá maior nobreza no mundo
que ser cavaleiro sem rendas e ter os bens alheios tão próprios que se pode
dispor deles a seu gosto e vontade, sem que lhe custe mais que
pegar-lhes?". E denuncia o engano em que muitos vivem, "crendo que
foi a pobreza a inventora do furto, não sendo outros senão a riqueza e a
prosperidade".
Padre
Vieira, nascido há 400 anos, alerta em seu "Sermão do Bom Ladrão" (1655): "Os outros
ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam
debaixo do seu risco, estes, sem temor nem perigo; os outros, se furtam, são
enforcados, estes furtam e enforcam".
Segundo Cícero, "o maior estímulo para cometer faltas é a
esperança de impunidade".
A
proposta de Capistrano de Abreu foi reduzir
a Constituição a dois artigos: "Artigo 1º: Todo brasileiro é obrigado a
ter vergonha na cara. Artigo 2º: Ficam revogadas todas as disposições em
contrário".