quinta-feira, 20 de junho de 2013

O Movimento de Indignação e Esperança no Brasil

O Movimento de Indignação e Esperança no Brasil
Fausto Jaime
Exposição feita no Diretório Municipal do Partido dos Trabalhadores de Goiânia em 19/06/2013.

Cumprimento a todos os presentes e agradeço o convite do Deputado Luiz César Bueno para estar aqui hoje e falar com vocês. Após cumprimentá-los, quero dizer que há muito tempo, por razões pessoais e profissionais, eu me afastei de uma prática política ativa no Partido dos Trabalhadores – PT. No entanto, é importante ficar claro que eu me afastei das práticas cotidianas do PT, mas o PT nunca se afastou de mim. Eu o acompanho pari passu como um pai que acompanha um filho.
Nós fundamos o PT em um Congresso no Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo em fevereiro de 1980, quando aprovamos o Manifesto e o Programa do Partido. Eu estava ali presente como representante do estado de Goiás, junto com valorosos companheiros com o professor Athos Magno da Costa e Silva, entre outros representantes que não vou citar no momento, sob risco de alguma omissão. Tive a oportunidade de participar da comissão que elaborou o Programa do Partido, para ser submetida ao Plenário do Congresso. Esta comissão foi coordenada, então, pelo companheiro, o professor Francisco Weffort, que posteriormente se afastou do Partido.
Quero testemunhar que foi decisiva a participação do estado de Goiás na fundação do Partido dos Trabalhadores – PT. Naquela época, para se fundar um partido era necessário que o partido fosse estruturado em pelo menos nove estados da federação. Para se fundar um partido nos estados era necessário que ele se estruturasse em 20% dos municípios. Naquela época, isto correspondia a quarenta e dois municípios. O PT conseguiu se estruturar exatamente em nove estados. O estado de Goiás se estruturou exatamente em quarenta e dois municípios. Esta conquista se deu pela atuação dedicada, destemida e cheia de sacrifícios de valorosos companheiros que se comprometeram com este projeto.
Os estrategistas da ditadura, ao instituir esta cláusula de barreira imaginavam que nenhum partido de esquerda conseguiria este feito. O Partido dos Trabalhadores conseguiu. Enfrentamos para isto a repressão do regime e as calúnias e difamações de outros partidos de esquerda. Estes nos acusavam na época de sermos divisionistas das oposições. Eles defendiam que toda a oposição deveriam se concentrar em um só partido, o PMDB. Nós achávamos que já era hora de termos um partido de esquerda democrática legalizado no país. Nós estávamos certos. A história provou isto.
No entanto, não foi para relembrar a história do Partido que fomos convidados hoje e sim para participarmos da reflexão sobre o momento que vivemos hoje no Brasil. Depois da surpresa, o correto é nos mobilizarmos em torno do Movimento de Indignação no Brasil. É hora de refletirmos sobre a teoria e a prática dos movimentos sociais na atualidade. É compreensível que em um primeiro momento sejamos pegos de surpresa. No entanto, o adequado é que nos mobilizemos em torno destes protestos que se difundem viralmente por todo o Brasil.
Estou aqui, de propósito, utilizando um termo que lembra o contágio estudado pela medicina e, ao mesmo tempo, é uma forma de disseminação que identificamos na Internet e no mundo dos computadores. Analisar esta nova realidade nos levará a repensar as nossas práticas políticas, valorizando aspectos que não valorizávamos até então. O mundo mudou e temos que adequar as nossas práticas políticas ao novo mundo em que vivemos, sob o risco de, se não nos posicionarmos de maneira adequada, enfrentarmos problemas mais sérios do já enfrentamos até agora.
Uma análise de conjuntura é um retrato dinâmico de uma realidade. Ela não é uma simples descrição de fatos ocorridos em um determinado local e período. A boa análise de conjuntura deve ir além das aparências e buscar a essência da realidade. No entanto, é bom lembrar, que a realidade mundial, nacional ou local, é complexa e multifacetada. Isto torna difícil a sua apreensão e compreensão à primeira vista.
O grande desafio de qualquer análise de conjuntura é contemplar a realidade complexa e compreender as relações entre as partes que formam o todo. Lembremos de que a totalidade é um conjunto de múltiplas determinações. Neste sentido, a análise de conjuntura funciona como um mapa que permite nos orientar na realidade. Existem diferentes tipos de mapas, alguns mais detalhados, outros menos detalhados. Existem ainda diferentes tipos de mapas. Cada mapa é definido em função de um objetivo e tem a sua própria escala. A análise de conjuntura é assim também. Ela busca traçar um mapa da correlação das forças econômicas, políticas e sociais que constituem a estrutura e a superestrutura da sociedade, as quais se vinculam através de relações de poder.
Fazer uma boa análise de conjuntura é fundamental para iluminar a nossa prática, para orientar os passos a serem dados pelos dirigentes de um grupo político. Para se fazer uma boa análise de conjuntura, é importante conhecer bem as próprias forças e as forças dos eventuais adversários. Por outro lado, é fundamental que nos posicionemos adequadamente dentro da conjuntura. A atuação política se assemelha a um jogo, onde a cada ação corresponde uma reação do adversário.
Isto me faz lembrar uma anedota que era contada pelo planejador e estrategista Carlos Matus, ex-ministro chileno do Governo Allende e que formulou um método de Planejamento, o chamado Planejamento Estratégico Situacional. A anedota era uma estória que se conta do jogador Garrincha, que era um homem muito simples, mas muito hábil jogador. No Campeonato Mundial de Futebol da Suécia, em 1958, quando se preparava para o jogo do Brasil contra Inglaterra, Feola, o técnico da seleção brasileira, fazia preleção aos jogadores e explicava suas táticas. Ele raciocinava como se não houvesse qualquer dúvida de que o adversário adotaria uma estratégia reativa que interessava exclusivamente ao próprio Feola. Estou certo de que convenceu todos com essa combinação de argumentos e casos. À saída, vários participantes ainda repetiam a oportuníssima pergunta de Garrincha ao técnico: “Mas... e os ingleses? Não jogam?”.
Acho que o PT precisava de uma sacudida, a fim de perceber que as reformas econômicas e sociais têm de ser realizadas e concretizadas com mais rapidez, menos burocracia e maior vontade política para resolver as questões e os conflitos sociais. A conjuntura aponta no sentido de que devemos avançar e não recuar em relação às nossas propostas. O clamor das ruas aponta no sentido do avanço e não do recuo. O momento aponta para a direção de efetivar as reformas tão necessárias para o desenvolvimento do povo brasileiro. Aprofundar a reforma agrária. Fazer uma reforma tributária. Articular uma reforma política democrática e progressista. Esses processos são combatidos, por aqueles que controlam os meios de produção. Estes têm muita força e influência no Congresso, no Supremo Tribunal Federal, na Procuradoria Geral da República, nos Ministérios Públicos, nas confederações e federações empresariais rurais e urbanas. Os setores conservadores influenciam inclusive o Palácio do Planalto, que forma um governo de coalizão.
Não se pode confundir o programa de governo com o Projeto de País do governo do PT. As alianças sacramentadas tiveram o propósito de viabilizar a governabilidade, no entanto, este Movimento de Indignação vindo das ruas evidencia que a população espera mais do Governo. As alianças são necessárias para se governar, no entanto, o partido que conquistou o poder não pode rasgar o programa de governo apresentado à população. Por outro lado, o partido não pode esquecer o seu programa e o seu passado. O fato de eu ter sido convidado neste momento para falar com vocês significa que há um despertar para esta realidade.
O PT e o governo da Presidenta Dilma Rousseff não podem vacilar e muito menos perder a disposição quando se trata de distribuir renda. O PT é um partido progressista. Tem em seus quadros militantes e grupos políticos verdadeiramente comprometidos com a mudança e as transformações sociais. Neste momento crítico, não é aconselhável abrir mão das reformas necessárias para compor com as elites econômicas. Isto se constituiria em erro político e estratégico grave.
O PT chegou ao poder. Isto traz benesses, mas traz também obrigações, o cumprimentos de compromissos estabelecidos, o respeito a princípios. O PT soube navegar bem no universo da política institucional. No entanto, a conjuntura mudou. Neste momento, temos que ouvir a voz das ruas. Quem conquista o poder é muitas vezes incomodado. No entanto, este tem também o dever de incomodar aqueles que sempre dominaram a partir do controle dos meios de produção, das terras produtivas e improdutivas e dos meios de comunicação.
O Brasil é hoje um país rico e respeitado em todo o mundo. Temos condições de melhorar significativamente a vida dos brasileiros. As desigualdades injustas envergonham a todo cidadão consciente. Fica evidente que o que a população espera de nós é um comportamento ético e a coerência com a nossa história e os nossos princípios.  Historicamente, sempre tivemos compromisso com o maior grupo social, o mais importante, o melhor, o que trabalha e que quer mudanças e reformas para se livrar da miséria, da pobreza, e da violência consequente.
O Movimento Passe Livre (MPL) que desencadeou as mobilizações atuais tem razão, mas deve dialogar e isto será bem-vindo. O movimento não pode ficar à mercê de grupelhos fascistas e vândalos, como ocorreu nas manifestações. O PT é um partido orgânico, inserido nos principais segmentos e setores da sociedade. O governo do PT e dos seus aliados efetiva uma política econômica e social de distribuição de rendas e de riquezas.
Esta política é combatida diuturna e ferozmente pelo patronato brasileiro e pelos partidos que os representam, especialmente pelo PSDB, DEM e PPS. Alguns partidos de esquerda, estreitos e sectários como o PSOL e PSTU servem aos interesses da direita atacando duramente o PT. Inclusive tentam se infiltrar nestas manifestações, mas foram combatidos pelos demais participantes e tiveram suas bandeiras muitas vezes recolhidas (para não dizer tomadas) pelos demais participantes. A imprensa golpista procura criar um clima como se estas manifestações fossem de oposição ao Governo da Presidente Dilma.
O PT precisa de cumprir totalmente o seu programa de governo e para isso precisa agilizar as reformas previstas. A presidenta Dilma Rousseff tem força política para aprová-las. Se a imprensa e os grupos reacionários querem realmente criticar e fazer oposição sistemática ao governo da Presidente Dilma. É melhor darmos a eles uma motivação concreta e palpável.
Estas manifestações que acontecem agora no Brasil fazem parte de um fenômeno semelhante ocorrida em outros países. Esta é uma das inúmeras manifestações de uma indignação que, nos últimos cinco anos, começaram em um novo espaço social, a internet, para depois chegar às ruas, em massa.
O sociólogo espanhol Manuel Castells é um dos principais acadêmicos a compreender esta mudança. Este é o tema de seu novo livro, chamado Redes de Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, que deve sair no Brasil em setembro, pela editora Zahar. Qualquer manifestação política começa em nossas mentes para depois materializar-se na prática. Segundo Castells: “A forma como pensamos, determina a forma como atuamos. Portanto, o que realmente condiciona o comportamento da sociedade é o que ocorre em nossas mentes”.
Quero lembrar o papel de coerção do Estado para manter o poder. Esta é uma tradição que começa em Maquiavel e que foi formalizada melhor por Max Weber. No entanto, apenas o monopólio da violência torna este mesmo estado débil. Ao mesmo tempo, há outra tradição, que inclui Bertrand Russell, Foucault e também Gramsci, que insiste no papel decisivo da persuasão para a manutenção do poder, pela maneira implícita e explícita de influenciar nossa maneira de pensar. Castells chama a atenção para o fato de que “afinal, manipular as mentes é muito mais eficaz do que torturar os corpos”.
Nossas mentes vivem imersas em um ambiente de comunicação, onde construímos nossa forma de pensar e, portanto, de fazer o que fazemos. Com a chegada das tecnologias digitais, não temos mais como fugir deste ambiente – cada vez mais intenso, veloz e, portanto, mais decisivo para definirmos nossas posições e preferências, tanto quanto indivíduos como sociedade.
O impacto que estas novas tecnologias imprimiram primeiro à sociedade, depois aos meios de comunicação – ou à “arena da comunicação”, como denominou Castels, frisando que não mais podemos separar o público dos grupos que antes controlavam este debate – e, finalmente, aos poderes políticos constituídos. O poder político é construído no espaço da comunicação, este é o espaço em que se joga o poder. É notável o impacto da internet na sociedade moderna. Há quase o mesmo número de linhas de telefones celulares ativas no mundo que de pessoas. No Brasil, já existem mais linhas do que habitantes. A evolução das tecnologias digitais e das tecnologias móveis acelera um processo que está mudando a cara da política. A humanidade está conectada e isso aconteceu num espaço duas décadas, sobretudo nos últimos dez anos.
Há uma crise do jornalismo, agente que funcionaria como mediador entre os poderes e as pessoas, mas que tem perdido o contato com o público, por não saber dialogar com a nova realidade digital e estar obcecado com números de audiência – antes fáceis de ser conseguidos e que agora se dispersam, pois os espectadores e leitores não são mais “vegetativos” como no caso do público da TV.
Hoje se consome muito mais informação que antes, por canais diferentes. O uso da internet se aprofundou, pois novos espaços sociais de interação foram ocupados, cada vez mais personalizados. As redes sociais ganham terreno e até o e-mail já perdeu seu espaço. Segundo Castells: “Há mais de 500 milhões de blogs atualizados diariamente, a maioria na China, e as redes sociais, hoje onipresentes, existem há menos de dez anos”. Além disso, lembramos que a internet se tornou um espaço multicultural.
Este novo cenário resulta na crise total do negócio tradicional da comunicação. Segundo Castells: “Ninguém ainda encontrou a resposta para a questão da perda do monopólio nas transmissões das mensagens. Todos os grandes meios de comunicação em todo o planeta estão em profunda crise empresarial, pois tentam se apropriar de um modelo que não entendem. É um problema mental – e generalizado no mundo todo. A internet é ativa, os outros meios eram passivos”.
O enfraquecimento dos meios tradicionais de comunicação afetou também a política, que hoje busca um rosto para representar o poder, não apenas ideologias ou partidos. Isso acontece porque há uma crise de representação de poder que encontra eco nos novos espaços sociais e faz que a sociedade se pergunte sobre seu papel nestes novos tempos.
O novo cenário é composto não apenas de veículos de comunicação de massa e ambientes digitais que permitem discussões entre as pessoas, mas de uma nova forma de comunicação, que chama de “autocomunicação de massas”. Ele explica o termo: “É de massas porque pode alcançar, potencialmente, milhões e milhões de pessoas. Não ao mesmo tempo, mas uma pequena rede se conecta a muitas redes que se conecta a muitas redes e se chega a todo o mundo”, definiu, “e é ‘auto’ porque há autonomia na emissão das mensagens, na seleção da recepção das mensagens, na criação de redes sociais específicas. Assim, a capacidade de encontrar informação é ilimitada, se você tem critérios de busca – que não são tecnológicos e sim metais ou intelectuais”.
Movimentos como o que propôs a criação coletiva da constituição da Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, a Primavera Árabe e o grupo Anonymous são parte de um mesmo movimento, coletivo e global, que não é político e sim social. Segundo Castells: “São estes movimentos, sociais e não políticos, que realmente mudam a história, pois realizam uma transformação cultural, que está na base de qualquer transformação de poder”.
Estes movimentos começam na internet, mas não são essencialmente digitais. Eles só se tornam visíveis e passam a existir de fato quando tomam as ruas. Estes movimentos acontecem há apenas cinco anos e que eles não têm lideranças, que repudiam a violência e que embora não tenham objetivo definido, encontrem coincidências e semelhanças ao indignar-se. Segundo Castells: “São movimentos emocionais e que se unem pela recuperação de uma dignidade que se perdeu. Às vezes eles começam pequenos e parecem que se mobilizam por pouca coisa, mas que funcionam como apenas uma gota a mais em uma indignação que existe em todos os setores sociais, que as pessoas não aguentam mais”.
Os motivos para estes movimentos podem ser diferentes de uma situação para outra. Isso pode ser a construção de um shopping para turistas na Praça Taksim na Turquia ou no aumento de centavos nas passagens de ônibus como em São Paulo. Segundo Castells: “Centenas de milhões de pessoas já participaram destes movimentos; e são movimentos que podem ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online. Não têm líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de renascer a qualquer momento. Isso só acontece porque há a capacidade de autocomunicação de massa que os permitiu existir”.
Para concluir lembro que a palavra ‘dignidade’ aparece em todos os países, em todos estes movimentos, em diferentes países e culturas. Eles não têm uma reivindicação concreta, mas querem o reconhecimento da própria dignidade, pois as pessoas não se veem reconhecidas como pessoas ou cidadãos. Castells reforçou que as semelhanças entre movimentos que partem de causas tão distintas apenas enfatizam seu papel no século 21.
Castells compara o que está acontecendo nos últimos anos com o que aconteceu nos últimos 40 anos no que diz respeito às mulheres, sem se referir a um autor, ideologia ou movimento feminista específico. “Foi um movimento coletivo, em que todas as mulheres do mundo decidiram abandonar o papel de sujeitada para assumirem o papel de sujeitas da história”. Lembro que os avanços da ascensão do papel da mulher na sociedade na última metade de século podem ser comparados aos avanços obtidos em milênios de história anterior. Isso está acontecendo de novo, nesta nova forma de manifestação social – que demanda mudanças culturais mais do que políticas.
Diante deste quadro complexo, torna-se grande e complicado o papel dos dirigentes políticos, principalmente quando comprometidos com a construção de um futuro melhor para a maioria da população até então esquecida e marginalizada. Esta é uma grande da tarefa do Governo dirigido pelo PT e uma missão de sua direção e militância, mas juntos, unidos e determinados, chegaremos lá!
Um grande e fraternal abraço a todos.