quarta-feira, 10 de novembro de 2010

UM PROJETO DEMOCRÁTICO E POPULAR PARA O BRASIL


Fausto Jaime


De tudo, três coisas:
A certeza de estarmos sempre começando;
A certeza de que é preciso continuar;
E a certeza de que podemos ser interrompidos
antes de terminarmos.
Fazer da interrupção um caminho novo,
da queda um passo de dança,
do medo uma procura
e da procura um encontro.

Fernando Sabino


Participei ativamente das lutas democráticas, contra o regime militar, pela anistia ampla, geral e irrestrita e da Campanha das Diretas Já. Estava, inclusive, no palanque do primeiro comício das Diretas Já, em Goiânia, na Praça Cívica. Este comício ocorreu em palanque armado em frente ao Palácio das Esmeraldas, o palácio do governo estadual de Goiás. Nesta época, era governador o atual Prefeito de Goiânia, Íris Rezende Machado, do PMDB.
No palanque, estavam: Ulisses Guimarães, Tancredo Neves, Luiz Inácio Lula da Silva, entre outras personalidades do mundo político daquela época. Confesso, no entanto, que me chamaram mais a atenção a Carla Camurati, a Cristiane Torloni e a Fafá de Belém. Essa última inaugurou ali, pela primeira vez de forma pública, aquela bonita versão do Hino Nacional que conhecemos. Tive a oportunidade histórica de estar naquele palanque porque na época era Presidente do Diretório Regional do PT de Goiás.  Foi um comício memorável que marcou o início da grande campanha cívica que acelerou o fim do regime militar no Brasil.
 Ali cheguei após muita luta pela fundação do Partido dos Trabalhadores. Em 1978, foi deflagrada pelo regime militar, dentro da estratégia de “distensão lenta gradual e segura”, a proposta de reformulação partidária. A perspectiva das forças dominantes no país daquela época era superar o bipartidarismo vigente permitindo a criação de mais alguns partidos, dentro do leque ideológico de centro e direita.   Estabeleceram-se cláusulas de barreira que segundo os cálculos dos estrategistas do regime, capitaneados pelo General Golberi do Couto e Silva, chefe do Gabinete Civil do então Presidente Geisel, impediriam a legalização de partidos de esquerda.
Ainda em 1978, participei de uma articulação pela fundação de um Partido Popular e de Massas, um partido de orientação socialista, que na ocasião, unificou, com este propósito, intelectuais, sindicalistas e militantes de esquerda em busca de uma alternativa legal de participação política. Em função desta articulação, tive a oportunidade de participar, em um hotel de São Paulo, da maior reunião de militantes de esquerda de que tive notícia no período do regime militar. Reuniram-se ali mais de duzentas pessoas.
Para esta reunião, foram adotadas medidas especiais de segurança.  Os participantes em geral não sabiam previamente o local da reunião. Somente a comissão organizadora sabia e marcava “pontos” com os demais participantes na rua. Qual não foi a minha surpresa ao encontrar ali figuras como Fernando Henrique Cardoso, José Serra, Almino Afonso, Francisco Weffort, Francisco de Oliveira, alguns deles participavam do Cebrap, famoso na época por dar guarida a intelectuais democratas e de esquerda.
Esta articulação se rachou em duas facções: uma delas liderada por Fernando Henrique Cardoso, José Serra e Almino Afonso resolveu participar da fundação do PMDB. Eles acharam, na época, que um partido com aquelas características poderia não se viabilizar eleitoralmente, ou até mesmo poderia não se legalizar. A outra facção veio a desaguar, em 1979, no Movimento Pró-PT, que tinha sido lançado pelos sindicalistas de São Bernardo, liderados pelo Lula. 
Contribuí ativamente para a fundação do Partido dos Trabalhadores – PT. Na época, eu era prefeito em uma pequena cidade do interior de Goiás, para onde eu me mudara, logo após a minha formatura na Universidade de Brasília. Fui eleito pelo antigo MDB e fui então o único prefeito do país a aderir à proposta de construir o Partido dos Trabalhadores. Fui, inclusive, no final de 1979, vítima de um atentado em que fui baleado a mando de adversários, incomodados com a minha atuação.
A legalização de um partido de massas com as características do PT foi uma luta árdua. Para viabilizar o partido, confluíram três forças principais: os sindicalistas liderados pelos metalúrgicos de São Bernardo; a esquerda católica com amplo enraizamento nas Comunidades Eclesiais de Base e no movimento dos sem-terra; e os remanescentes de várias organizações da esquerda revolucionária. Fundamos o Partido, em Congresso de que tive a honra de participar como um dos duzentos e poucos delegados que se reuniram no Sedes Sapientiae em São Paulo, em fevereiro de 1980. Ali aprovamos, depois de intensas discussões, o Manifesto e o Programa do Partido, que deu entrada no Tribunal Superior Eleitoral. O requerimento, que solicitou a legalização do partido, continha, portanto, a minha assinatura.
Atualmente, o Partido dos Trabalhadores - PT atingiu um nível de maturidade política, capacidade de articulação, de intervenção social, de inserção e ação política e institucional respeitável no contexto nacional. Ganhou prefeituras, governos estaduais, a presidência da república e ocupou um amplo espaço no parlamento. Neste percurso, alguns dos seus membros cometeram erros, desvios de natureza ética, traindo, desta forma os princípios fundantes do partido. No entanto, a maioria dos membros do partido é movida pelo ideal de construção de um mundo melhor, de uma sociedade democrática, fraterna e igualitária.
A maioria do partido está empenhada em contribuir na orientação de práticas e posturas éticas e inovadoras. Muitos petistas estão empenhados em oferecer formulações conceituais e teóricas que contribuam para a qualificação da ação partidária e com a consolidação do partido como formulador de políticas públicas capazes de incrementar de forma efetiva o ingresso à cidadania, através de políticas inclusivas de emprego e renda, de educação e saúde para todos, de segurança e do efetivo exercício da democracia.


NÓS TEMOS UM SONHO, UM MUNDO LIVRE DE POBREZA.


Na entrada do edifício do Banco Mundial em Washington, existe a seguinte inscrição: We have a dream, a world free of poverty (Nós temos um sonho, um mundo livre de pobreza). No entanto, as políticas e práticas do Banco Mundial têm contribuído para agravar a pobreza em todo o mundo. Nesse momento, procuramos dar respostas ao sonho de "um outro mundo possível". Como expressar simbolicamente os valores que se quer afirmar nesse momento histórico? Como viabilizar as grandes orientações que entram em contradição com as lógicas fundamentais do capitalismo? Quais as principais orientações a serem adotadas em relação à natureza e ao ser humano?
A natureza não é um mero objeto de exploração, mas somos parte dela e devemos expressar um sentido de admiração, respeito e contemplação. A nossa relação com os outros seres humanos deve expressar um sentido de cuidado, de fraternidade, de ternura, de amor, de paz, de recusa à agressividade e à violência, de renúncia ao individualismo econômico e às práticas predatórias que prejudicam a sobrevivência das gerações futuras. Esses valores deverão ser traduzidos em práticas e relações sociais concretas e todas as suas conseqüências humanas. Nosso pensamento e ação política expressam, ainda, a necessidade de uma nova ética para um novo mundo. As forças democráticas e transformadoras acreditam que um outro mundo é possível. Esse novo mundo deverá ser baseado em outros valores, radicalmente antagônicos aos que dominam hoje.
A sociedade global tem o seu lado enfermo e desumanizador, mas tem também outro lado, em que se escondem as oportunidades, as sementes do novo. As contradições da sociedade global dão a esta proposição um duplo caráter profético. Primeiro, a denúncia de toda a injustiça e desumanização inerentes ao sistema econômico e cultural centrado no capital, no produtivismo, no consumismo e na destruição da natureza. Segundo, o anúncio da emergência de uma nova ordem mundial, solidária, justa e pacífica. Uma nova sócio-economia com base em uma nova ética e novos valores culturais.


UM PROGRAMA DEMOCRÁTICO E REFORMADOR

Um programa democrático e reformador para o nosso país deverá ter os seguintes eixos orientadores:
a)     ação voltada para a integração à cidadania e para a garantia de direitos dos setores excluídos da sociedade;
b)     democratização radical das instituições políticas, ampliando a participação dos cidadãos nas decisões e aumentando a esfera de controle da sociedade civil sobre o Estado,com a preservação dos princípios da ética na política;
c)     radicalização da democracia social com a ampliação da garantia dos direitos sociais e da participação dos cidadãos nos fóruns de decisão e de aplicação e garantia de direitos;
d)     ampliação dos direitos econômicos dos trabalhadores, com uma maior participação nos lucros, uma maior participação dos trabalhadores nas decisões das unidades produtivas e nas instâncias decisórias das políticas industriais/agrárias/serviços e de emprego;
e)     ampliação dos direitos e garantias dos consumidores, com o incremento de suas organizações de defesa;
f)      ampliação das políticas de desenvolvimento sustentável, que levem em conta as necessidades de um meio ambiente saudável, a justiça social e a distribuição de renda e riqueza;
g)     resgate dos valores do humanismo e da solidariedade, com a defesa e promoção dos direitos humanos e das práticas e organizações civis de ajuda e apoio aos movimentos sociais;
h)     defesa de uma ordem mundial despolarizada onde a competição econômica agressiva ceda lugar à interdependência e colaboração entre países e, principalmente, a ajuda dos países ricos aos países pobres para que estes tenham acesso à tecnologia e ao conhecimento, permitindo o desenvolvimento auto-sustentado;
i)      fortalecimento e democratização das instituições mundiais de segurança, de comércio, de defesa do meio ambiente e ampliação do desarmamento e fortalecimento dos mecanismos de arbitragem pacífica dos conflitos territoriais, étnicos, religiosos civis etc.

UMA AGENDA PARA O SÉCULO XXI


O Brasil ingressou no século XXl com uma vasta agenda a cumprir. No plano político-institucional apresentou-se a tarefa de concluir a institucionalização democrática decorrente das condições estabelecidas pela Constituição de 88, bem como, corrigir-lhe os erros e as insuficiências. O centro dessa agenda situa-se nas reformas constitucionais e institucionais como a reforma da Ordem Econômica, a reforma do Estado, da Previdência, Tributária, do Judiciário, a reforma Política etc.
No plano econômico, continua importante tarefa do combate à inflação, principal fator de deterioração das rendas. A estabilidade monetária é ainda um dos requisitos mais importantes na recomposição das condições para um novo crescimento econômico. No plano social, o combate à exclusão e uma política de emprego apresentam-se como tarefas prioritárias.
Na agenda social, o novo governo deverá reafirmar em suas práticas o propósito de:
a)     manter a estabilidade da moeda, que deve ser encarada como um dos requisitos mais importantes para a modernização do país e promoção da cidadania. A história recente prova que a inflação é um fator importante de concentração de renda. Reforçar a estabilidade econômica ajudará a ganhar maior credibilidade junto à população;
b)     as reformas institucionais continuam imprescindíveis para aprofundar o grau de democratização do Estado, para torná-lo mais eficiente e para fortalecê-lo como instrumento de garantia do bem-estar, das políticas públicas como saúde, educação e habitação e para a garantia da segurança;
c)     o novo governo deverá formular políticas públicas alternativas, tanto compensatórias, como políticas capazes de incrementar de forma efetiva o ascensão de amplos setores marginalizados da população à cidadania, através de uma política de pleno emprego, de reforma agrária ampla, entre outras medidas.
O novo governo deverá, ainda, definir uma agenda sócio-econômica que articule cinco eixos básicos:
a) estabilidade econômica e monetária;
b) incremento do crescimento econômico;
c) criação de empregos;
d) distribuição de renda e riqueza;
e) qualidade de vida.


UM GOVERNO DEMOCRÁTICO E POPULAR

Para o novo governo poder realizar um programa democrático e reformador e construir uma agenda para o século XXI, precisará ter visão estratégica, um sentido de missão, flexibilidade tática, eficiência e eficácia operacional e, acima de tudo, sensibilidade social. No momento atual, a exigência em relação às forças políticas é muito maior do que no passado recente. Uma força política para ser efetiva no complexo e dinâmico mundo atual tem que estar antenada com as profundas mudanças e transformações que assolam a todo o mundo.
Ao mesmo tempo, deverá ser capaz de fazer leituras locais e regionais dessa complexidade dinâmica e traduzir essa leitura em propostas adequadas. Para se alcançar êxito, deverá ser iluminado por uma nova ótica e inspirado por uma nova ética. Existem evidentes ameaças ao patrimônio natural da vida e da humanidade. Isso nos obriga a obter consensos mínimos. Isso exige uma postura tolerante, Isso impõe que se aprenda a conviver com a diversidade e a superar sectarismos de vários matizes.
Reacende-se a crença no futuro do Brasil, reacende-se a esperança de um país inclusivo, justo, democrático e fraterno.  O novo governo, sob a direção da Presidente Dilma, iluminado pela nova ótica e inspirado na nova ética, poderá dar uma contribuição significativa nesta direção. A expectativa é que possa dar uma efetiva contribuição para a concretização da utopia irrealizada, mas não irrealizável que se expressa na afirmação final da Carta da Terra: Que o nosso tempo seja lembrado pelo despertar de uma nova reverência face à vida, pelo compromisso firme de alcançar a sustentabilidade, a intensificação da luta pela justiça e pela paz, e a alegre celebração da vida.



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