Brasil, um país sério!
Fausto Jaime
Já disseram que a frase "O
Brasil não é um país sério" era do presidente francês Charles de Gaulle
(1890-1970). No entanto, esta frase é de autoria do embaixador brasileiro na
França, Carlos Alves de Souza, dita ao jornalista Luiz Edgar de Andrade, que na
época era correspondente do "Jornal do Brasil" em Paris. Esta
afirmação foi feita pelo embaixador a propósito da discussão com o General De
Gaulle sobre a "Guerra da Lagosta", em 1962, quando barcos franceses
pescavam o crustáceo na costa brasileira.
O embaixador Souza relatou ao
jornalista Edgar o encontro dizendo-lhe que falaram sobre o samba carnavalesco
"A lagosta é nossa" e das caricaturas que faziam dele (De Gaulle). O
embaixador terminou a conversa com o jornalista da seguinte forma: "Edgar, le Brésil n'est pas un pays sérieux".
O sentido desta afirmação era de que o povo brasileiro era brincalhão e fazia
troça de tudo. O jornalista mandou o despacho para o jornal e a frase acabou
outorgada a De Gaulle e lhe dando outro sentido, o de que o Brasil era não era
um país sério.
Como bem ensinou Jobim, e toda a
gente sabe, “o Brasil não é para amadores”. Quando as coisas se complicam
demais no Brasil, à falta de melhores argumentos, sempre alguém acaba por
rematar com a velha frase atribuída a De Gaulle – “Lé Brésil n’est pas un pays sérieux”...
É o que acontece agora, em que
assistimos a assanhada luta política, numa novela que se arrasta há mais de um
ano e - à medida que se aproxima do seu epílogo - aparece cada vez mais
recheada de episódios ora inusitados e pitorescos, ora dramáticos e
rocambolescos, por vezes mesmo com dimensão de verdadeiros golpes de teatro. Afirmar,
como um adulto falando de um adolescente, que o “Brasil não é um país sério”,
pode conferir um sentimento de reconfortante maturidade sustentada na
autoridade política daquele que foi um dos grandes líderes europeus do século
XX.
Mas nem De Gaulle jamais disse
algo parecido, ainda que porventura o tivesse pensado, nem a repetição da
“boutade” adianta muito para a compreensão das complexas realidades
brasileiras. Para já não falarmos de que também alguns países europeus têm
conhecido recentemente – Bélgica, Espanha... – ou mais remotamente – Itália...
– crises de poder tão agudas e agitadas quanto aquela que hoje abala de novo o
Brasil.
A autoria da frase pertence
confessadamente ao diplomata brasileiro Carlos Alves de Souza Filho, que foi
embaixador do Brasil em França, entre 1956 e 1964. Nada como um brasileiro – ou
um português – para, entre os seus, denegrir amorosamente o seu próprio país...
A exclamação foi feita off the record
ao correspondente do Jornal do Brasil em Paris, que no entanto a reproduziu,
atribuindo-a – segundo o próprio embaixador, por engano, e não por malícia - ao
General De Gaulle. Repetida desde então até à saciedade, tornou-se uma espécie
de lugar comum elegante para uso indiscriminado e bem pensante de diplomatas,
jornalistas, políticos e comentadores de todos os quadrantes. No entanto, não
nos ajuda nada a entender nem as razões profundas da crise que abala a
estabilidade política do país, nem as agudas manifestações de que essa crise
por vezes se reveste - como agora acontece - à beira de uma ruptura
institucional, com os diferentes poderes digladiando-se a céu aberto, além de
exporem também em público as suas próprias divisões internas. Pessoalmente,
vejo quatro grandes razões na origem da agitação que abala o Brasil – uma de
caráter comportamental, outra política e duas de ordem sistêmica. Tudo isto,
claro, num quadro de recessão, com todas as consequências negativas daí
decorrentes – juros altos, inflação, desemprego, descontentamento generalizado.
Voltando à questão inicial e para concluir – “o Brasil não é
um país sério”? Mais do que um juízo superficial baseado apenas no folclore dos
comportamentos políticos, impõe-se considerar a história, compreender as razões
das atitudes, conhecer as fontes de inspiração do direito e a relativa
juventude da democracia brasileira. Há uma crise profunda, é certo, mas há
também uma vitalidade enorme e um fortíssimo apego à liberdade que se impõe
valorizar. Um fato inspira confiança – apesar da agudeza do confronto, não
houve até agora ruptura institucional e a hipótese de uma intervenção dos
militares parece totalmente afastada. Por outro lado, também não há sentimento
de tragédia – o que predomina, por entre todas as convulsões, parece ser uma
infinita confiança de que tudo se haverá de compor e o Brasil acabará por
encontrar o caminho de grandeza que todos acreditam lhe está reservado e as
suas imensas riquezas prometem.
Tudo sinais de que o Brasil, apesar das suas peculiaridades
tropicais e das mil peripécias a que vimos assistindo, é, sim, um país que -
sem se tomar excessivamente a sério – tem em si mesmo a força anímica
necessária para, sem muitos traumas, superar a crise e avançar na senda de um
futuro à medida das suas ambições de sempre.
Carlos Alves de Souza Filho foi um diplomata brasileiro,
genro do Presidente Artur Bernardes de fontes. Serviu como embaixador em Roma
de 16 de fevereiro de 1950 a 20 de fevereiro de 1956, em Paris (1956-1964) e em
Londres (1964-1966). Foi personagem fundamental no conflito diplomático
envolvendo o Brasil e a França, que ficou conhecido como Guerra da Lagosta. Foi
ele o intermediário entre o governo brasileiro e Charles de Gaulle, e é autor
da famosa frase "O Brasil não é um país sério", erroneamente
atribuída a de Gaulle.
No ano de 1962, quando houve a Guerra da Lagosta entre o
Brasil e a França, o general de Gaulle, então presidente da França, teria dito
que o Brasil não é um país sério. Há controvérsias sobre a tal autoria. Há quem
diga que a exclamação teria sido mais do embaixador brasileiro em Paris, do que
propriamente do General presidente. Mas o fato é que a frase – le Brésil n’est pas um pays sérieux – e
a autoria desta como atribuída a De Gaulle, entraram como tais para a história.
Para uma controvérsia do tipo que acabamos de citar, a
língua italiana nos brinda com o dito: se não for verdade, não deixa de ser um
brilhante achado! (si non è vero, è bene
trovato). Brincadeiras à parte, se De Gaulle estivesse vivo hoje, olhando
para o Brasil - ano 2017, com os poderes nacionais que temos, pós-impedimento
da presidenta Dilma – executivo, legislativo e judiciário – o mínimo que
poderia fazer em nosso favor, seria repetir sua frase do ano de 1962 que marcou
a guerrinha da lagosta. Concordaríamos com de Gaulle, em gênero, número e grau.
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