O Movimento de Indignação e Esperança no Brasil
Fausto Jaime
Exposição feita no Diretório
Municipal do Partido dos Trabalhadores de Goiânia em 19/06/2013.
Cumprimento
a todos os presentes e agradeço o convite do Deputado Luiz César Bueno para
estar aqui hoje e falar com vocês. Após cumprimentá-los, quero dizer que há
muito tempo, por razões pessoais e profissionais, eu me afastei de uma prática
política ativa no Partido dos Trabalhadores – PT. No entanto, é importante
ficar claro que eu me afastei das práticas cotidianas do PT, mas o PT nunca se
afastou de mim. Eu o acompanho pari passu
como um pai que acompanha um filho.
Nós fundamos
o PT em um Congresso no Instituto Sedes
Sapientiae, em São Paulo em fevereiro de 1980, quando aprovamos o Manifesto
e o Programa do Partido. Eu estava ali presente como representante do estado de
Goiás, junto com valorosos companheiros com o professor Athos Magno da Costa e
Silva, entre outros representantes que não vou citar no momento, sob risco de
alguma omissão. Tive a oportunidade de participar da comissão que elaborou o
Programa do Partido, para ser submetida ao Plenário do Congresso. Esta comissão
foi coordenada, então, pelo companheiro, o professor Francisco Weffort, que
posteriormente se afastou do Partido.
Quero
testemunhar que foi decisiva a participação do estado de Goiás na fundação do
Partido dos Trabalhadores – PT. Naquela época, para se fundar um partido era
necessário que o partido fosse estruturado em pelo menos nove estados da
federação. Para se fundar um partido nos estados era necessário que ele se
estruturasse em 20% dos municípios. Naquela época, isto correspondia a quarenta
e dois municípios. O PT conseguiu se estruturar exatamente em nove estados. O
estado de Goiás se estruturou exatamente em quarenta e dois municípios. Esta
conquista se deu pela atuação dedicada, destemida e cheia de sacrifícios de
valorosos companheiros que se comprometeram com este projeto.
Os
estrategistas da ditadura, ao instituir esta cláusula de barreira imaginavam
que nenhum partido de esquerda conseguiria este feito. O Partido dos
Trabalhadores conseguiu. Enfrentamos para isto a repressão do regime e as
calúnias e difamações de outros partidos de esquerda. Estes nos acusavam na
época de sermos divisionistas das oposições. Eles defendiam que toda a oposição
deveriam se concentrar em um só partido, o PMDB. Nós achávamos que já era hora
de termos um partido de esquerda democrática legalizado no país. Nós estávamos
certos. A história provou isto.
No entanto,
não foi para relembrar a história do Partido que fomos convidados hoje e sim
para participarmos da reflexão sobre o momento que vivemos hoje no Brasil.
Depois da surpresa, o correto é nos mobilizarmos em torno do Movimento de
Indignação no Brasil. É hora de refletirmos sobre a teoria e a prática dos
movimentos sociais na atualidade. É compreensível que em um primeiro momento
sejamos pegos de surpresa. No entanto, o adequado é que nos mobilizemos em
torno destes protestos que se difundem viralmente por todo o Brasil.
Estou aqui,
de propósito, utilizando um termo que lembra o contágio estudado pela medicina
e, ao mesmo tempo, é uma forma de disseminação que identificamos na Internet e
no mundo dos computadores. Analisar esta nova realidade nos levará a repensar
as nossas práticas políticas, valorizando aspectos que não valorizávamos até
então. O mundo mudou e temos que adequar as nossas práticas políticas ao novo
mundo em que vivemos, sob o risco de, se não nos posicionarmos de maneira
adequada, enfrentarmos problemas mais sérios do já enfrentamos até agora.
Uma análise
de conjuntura é um retrato dinâmico de uma realidade. Ela não é uma simples
descrição de fatos ocorridos em um determinado local e período. A boa análise
de conjuntura deve ir além das aparências e buscar a essência da realidade. No
entanto, é bom lembrar, que a realidade mundial, nacional ou local, é complexa
e multifacetada. Isto torna difícil a sua apreensão e compreensão à primeira
vista.
O grande
desafio de qualquer análise de conjuntura é contemplar a realidade complexa e
compreender as relações entre as partes que formam o todo. Lembremos de que a
totalidade é um conjunto de múltiplas determinações. Neste sentido, a análise
de conjuntura funciona como um mapa que permite nos orientar na realidade.
Existem diferentes tipos de mapas, alguns mais detalhados, outros menos
detalhados. Existem ainda diferentes tipos de mapas. Cada mapa é definido em
função de um objetivo e tem a sua própria escala. A análise de conjuntura é
assim também. Ela busca traçar um mapa da correlação das forças econômicas,
políticas e sociais que constituem a estrutura e a superestrutura da sociedade,
as quais se vinculam através de relações de poder.
Fazer uma
boa análise de conjuntura é fundamental para iluminar a nossa prática, para
orientar os passos a serem dados pelos dirigentes de um grupo político. Para se
fazer uma boa análise de conjuntura, é importante conhecer bem as próprias
forças e as forças dos eventuais adversários. Por outro lado, é fundamental que
nos posicionemos adequadamente dentro da conjuntura. A atuação política se
assemelha a um jogo, onde a cada ação corresponde uma reação do adversário.
Isto me faz
lembrar uma anedota que era contada pelo planejador e estrategista Carlos
Matus, ex-ministro chileno do Governo Allende e que formulou um método de
Planejamento, o chamado Planejamento Estratégico Situacional. A anedota era uma
estória que se conta do jogador Garrincha, que era um homem muito simples, mas
muito hábil jogador. No Campeonato Mundial de Futebol da Suécia, em 1958,
quando se preparava para o jogo do Brasil contra Inglaterra, Feola, o técnico
da seleção brasileira, fazia preleção aos jogadores e explicava suas táticas. Ele
raciocinava como se não houvesse qualquer dúvida de que o adversário adotaria
uma estratégia reativa que interessava exclusivamente ao próprio Feola. Estou
certo de que convenceu todos com essa combinação de argumentos e casos. À
saída, vários participantes ainda repetiam a oportuníssima pergunta de
Garrincha ao técnico: “Mas... e os ingleses? Não jogam?”.
Acho que o
PT precisava de uma sacudida, a fim de perceber que as reformas econômicas e
sociais têm de ser realizadas e concretizadas com mais rapidez, menos
burocracia e maior vontade política para resolver as questões e os conflitos
sociais. A conjuntura aponta no sentido de que devemos avançar e não recuar em
relação às nossas propostas. O clamor das ruas aponta no sentido do avanço e
não do recuo. O momento aponta para a direção de efetivar as reformas tão
necessárias para o desenvolvimento do povo brasileiro. Aprofundar a reforma
agrária. Fazer uma reforma tributária. Articular uma reforma política
democrática e progressista. Esses processos são combatidos, por aqueles que
controlam os meios de produção. Estes têm muita força e influência no
Congresso, no Supremo Tribunal Federal, na Procuradoria Geral da República, nos
Ministérios Públicos, nas confederações e federações empresariais rurais e urbanas.
Os setores conservadores influenciam inclusive o Palácio do Planalto, que forma
um governo de coalizão.
Não se pode
confundir o programa de governo com o Projeto de País do governo do PT. As
alianças sacramentadas tiveram o propósito de viabilizar a governabilidade, no
entanto, este Movimento de Indignação vindo das ruas evidencia que a população
espera mais do Governo. As alianças são necessárias para se governar, no
entanto, o partido que conquistou o poder não pode rasgar o programa de governo
apresentado à população. Por outro lado, o partido não pode esquecer o seu
programa e o seu passado. O fato de eu ter sido convidado neste momento para
falar com vocês significa que há um despertar para esta realidade.
O PT e o
governo da Presidenta Dilma Rousseff não podem vacilar e muito menos perder a
disposição quando se trata de distribuir renda. O PT é um partido progressista.
Tem em seus quadros militantes e grupos políticos verdadeiramente comprometidos
com a mudança e as transformações sociais. Neste momento crítico, não é
aconselhável abrir mão das reformas necessárias para compor com as elites
econômicas. Isto se constituiria em erro político e estratégico grave.
O PT chegou
ao poder. Isto traz benesses, mas traz também obrigações, o cumprimentos de compromissos
estabelecidos, o respeito a princípios. O PT soube navegar bem no universo da
política institucional. No entanto, a conjuntura mudou. Neste momento, temos
que ouvir a voz das ruas. Quem conquista o poder é muitas vezes incomodado. No
entanto, este tem também o dever de incomodar aqueles que sempre dominaram a
partir do controle dos meios de produção, das terras produtivas e improdutivas
e dos meios de comunicação.
O Brasil é
hoje um país rico e respeitado em todo o mundo. Temos condições de melhorar
significativamente a vida dos brasileiros. As desigualdades injustas
envergonham a todo cidadão consciente. Fica evidente que o que a população
espera de nós é um comportamento ético e a coerência com a nossa história e os
nossos princípios. Historicamente,
sempre tivemos compromisso com o maior grupo social, o mais importante, o
melhor, o que trabalha e que quer mudanças e reformas para se livrar da
miséria, da pobreza, e da violência consequente.
O Movimento
Passe Livre (MPL) que desencadeou as mobilizações atuais tem razão, mas deve
dialogar e isto será bem-vindo. O movimento não pode ficar à mercê de grupelhos
fascistas e vândalos, como ocorreu nas manifestações. O PT é um partido
orgânico, inserido nos principais segmentos e setores da sociedade. O governo
do PT e dos seus aliados efetiva uma política econômica e social de
distribuição de rendas e de riquezas.
Esta
política é combatida diuturna e ferozmente pelo patronato brasileiro e pelos
partidos que os representam, especialmente pelo PSDB, DEM e PPS. Alguns
partidos de esquerda, estreitos e sectários como o PSOL e PSTU servem aos
interesses da direita atacando duramente o PT. Inclusive tentam se infiltrar
nestas manifestações, mas foram combatidos pelos demais participantes e tiveram
suas bandeiras muitas vezes recolhidas (para não dizer tomadas) pelos demais
participantes. A imprensa golpista procura criar um clima como se estas
manifestações fossem de oposição ao Governo da Presidente Dilma.
O PT precisa
de cumprir totalmente o seu programa de governo e para isso precisa agilizar as
reformas previstas. A presidenta Dilma Rousseff tem força política para
aprová-las. Se a imprensa e os grupos reacionários querem realmente criticar e
fazer oposição sistemática ao governo da Presidente Dilma. É melhor darmos a
eles uma motivação concreta e palpável.
Estas manifestações que acontecem
agora no Brasil fazem parte de um fenômeno semelhante ocorrida em outros
países. Esta é uma das inúmeras manifestações de uma indignação que, nos
últimos cinco anos, começaram em um novo espaço social, a internet, para depois
chegar às ruas, em massa.
O sociólogo espanhol Manuel
Castells é um dos principais acadêmicos a compreender esta mudança. Este é o
tema de seu novo livro, chamado Redes de
Indignação e Esperança – Movimentos Sociais na Era da Internet, que deve
sair no Brasil em setembro, pela editora Zahar. Qualquer manifestação política
começa em nossas mentes para depois materializar-se na prática. Segundo
Castells: “A forma como pensamos, determina a forma como atuamos. Portanto, o
que realmente condiciona o comportamento da sociedade é o que ocorre em nossas
mentes”.
Quero lembrar o papel de coerção
do Estado para manter o poder. Esta é uma tradição que começa em Maquiavel e
que foi formalizada melhor por Max Weber. No entanto, apenas o monopólio da
violência torna este mesmo estado débil. Ao mesmo tempo, há outra tradição, que
inclui Bertrand Russell, Foucault e também Gramsci, que insiste no papel
decisivo da persuasão para a manutenção do poder, pela maneira implícita e
explícita de influenciar nossa maneira de pensar. Castells chama a atenção para
o fato de que “afinal, manipular as mentes é muito mais eficaz do que torturar
os corpos”.
Nossas mentes vivem imersas em um
ambiente de comunicação, onde construímos nossa forma de pensar e, portanto, de
fazer o que fazemos. Com a chegada das tecnologias digitais, não temos mais
como fugir deste ambiente – cada vez mais intenso, veloz e, portanto, mais
decisivo para definirmos nossas posições e preferências, tanto quanto
indivíduos como sociedade.
O impacto que estas novas
tecnologias imprimiram primeiro à sociedade, depois aos meios de comunicação –
ou à “arena da comunicação”, como denominou Castels, frisando que não mais
podemos separar o público dos grupos que antes controlavam este debate – e,
finalmente, aos poderes políticos constituídos. O poder político é construído
no espaço da comunicação, este é o espaço em que se joga o poder. É notável o
impacto da internet na sociedade moderna. Há quase o mesmo número de linhas de
telefones celulares ativas no mundo que de pessoas. No Brasil, já existem mais
linhas do que habitantes. A evolução das tecnologias digitais e das tecnologias
móveis acelera um processo que está mudando a cara da política. A humanidade
está conectada e isso aconteceu num espaço duas décadas, sobretudo nos últimos
dez anos.
Há uma crise do jornalismo,
agente que funcionaria como mediador entre os poderes e as pessoas, mas que tem
perdido o contato com o público, por não saber dialogar com a nova realidade
digital e estar obcecado com números de audiência – antes fáceis de ser
conseguidos e que agora se dispersam, pois os espectadores e leitores não são
mais “vegetativos” como no caso do público da TV.
Hoje se consome muito mais
informação que antes, por canais diferentes. O uso da internet se aprofundou,
pois novos espaços sociais de interação foram ocupados, cada vez mais
personalizados. As redes sociais ganham terreno e até o e-mail já perdeu seu
espaço. Segundo Castells: “Há mais de 500 milhões de blogs atualizados
diariamente, a maioria na China, e as redes sociais, hoje onipresentes, existem
há menos de dez anos”. Além disso, lembramos que a internet se tornou um espaço
multicultural.
Este novo cenário resulta na
crise total do negócio tradicional da comunicação. Segundo Castells: “Ninguém
ainda encontrou a resposta para a questão da perda do monopólio nas transmissões
das mensagens. Todos os grandes meios de comunicação em todo o planeta estão em
profunda crise empresarial, pois tentam se apropriar de um modelo que não
entendem. É um problema mental – e generalizado no mundo todo. A internet é
ativa, os outros meios eram passivos”.
O enfraquecimento dos meios
tradicionais de comunicação afetou também a política, que hoje busca um rosto
para representar o poder, não apenas ideologias ou partidos. Isso acontece porque
há uma crise de representação de poder que encontra eco nos novos espaços
sociais e faz que a sociedade se pergunte sobre seu papel nestes novos tempos.
O novo cenário é composto não
apenas de veículos de comunicação de massa e ambientes digitais que permitem
discussões entre as pessoas, mas de uma nova forma de comunicação, que chama de
“autocomunicação de massas”. Ele explica o termo: “É de massas porque pode
alcançar, potencialmente, milhões e milhões de pessoas. Não ao mesmo tempo, mas
uma pequena rede se conecta a muitas redes que se conecta a muitas redes e se
chega a todo o mundo”, definiu, “e é ‘auto’ porque há autonomia na emissão das
mensagens, na seleção da recepção das mensagens, na criação de redes sociais
específicas. Assim, a capacidade de encontrar informação é ilimitada, se você
tem critérios de busca – que não são tecnológicos e sim metais ou intelectuais”.
Movimentos como o que propôs a
criação coletiva da constituição da Islândia, os Indignados na Espanha, o Occupy Wall Street nos Estados Unidos, a
Primavera Árabe e o grupo Anonymous são
parte de um mesmo movimento, coletivo e global, que não é político e sim
social. Segundo Castells: “São estes movimentos, sociais e não políticos, que
realmente mudam a história, pois realizam uma transformação cultural, que está
na base de qualquer transformação de poder”.
Estes movimentos começam na
internet, mas não são essencialmente digitais. Eles só se tornam visíveis e
passam a existir de fato quando tomam as ruas. Estes movimentos acontecem há
apenas cinco anos e que eles não têm lideranças, que repudiam a violência e que
embora não tenham objetivo definido, encontrem coincidências e semelhanças ao
indignar-se. Segundo Castells: “São movimentos emocionais e que se unem pela
recuperação de uma dignidade que se perdeu. Às vezes eles começam pequenos e
parecem que se mobilizam por pouca coisa, mas que funcionam como apenas uma
gota a mais em uma indignação que existe em todos os setores sociais, que as
pessoas não aguentam mais”.
Os motivos para estes movimentos
podem ser diferentes de uma situação para outra. Isso pode ser a construção de
um shopping para turistas na Praça Taksim na Turquia ou no aumento de centavos
nas passagens de ônibus como em São Paulo. Segundo Castells: “Centenas de
milhões de pessoas já participaram destes movimentos; e são movimentos que
podem ter saído das ruas, mas não desapareceram. Eles continuam online. Quando
vem a repressão física, eles se retiram das ruas, rediscutem online. Não têm
líderes nem programa, mas têm a capacidade de resistir e de renascer a qualquer
momento. Isso só acontece porque há a capacidade de autocomunicação de massa
que os permitiu existir”.
Para concluir lembro que a palavra
‘dignidade’ aparece em todos os países, em todos estes movimentos, em
diferentes países e culturas. Eles não têm uma reivindicação concreta, mas
querem o reconhecimento da própria dignidade, pois as pessoas não se veem
reconhecidas como pessoas ou cidadãos. Castells reforçou que as semelhanças
entre movimentos que partem de causas tão distintas apenas enfatizam seu papel
no século 21.
Castells compara o que está
acontecendo nos últimos anos com o que aconteceu nos últimos 40 anos no que diz
respeito às mulheres, sem se referir a um autor, ideologia ou movimento
feminista específico. “Foi um movimento coletivo, em que todas as mulheres do
mundo decidiram abandonar o papel de sujeitada para assumirem o papel de
sujeitas da história”. Lembro que os avanços da ascensão do papel da mulher na
sociedade na última metade de século podem ser comparados aos avanços obtidos
em milênios de história anterior. Isso está acontecendo de novo, nesta nova
forma de manifestação social – que demanda mudanças culturais mais do que
políticas.
Diante deste quadro complexo, torna-se
grande e complicado o papel dos dirigentes políticos, principalmente quando
comprometidos com a construção de um futuro melhor para a maioria da população
até então esquecida e marginalizada. Esta é uma grande da tarefa do Governo
dirigido pelo PT e uma missão de sua direção e militância, mas juntos, unidos e
determinados, chegaremos lá!
Um
grande e fraternal abraço a todos.